sexta-feira, 20 de outubro de 2017


I
Usava a
palavra
feito muro.

Rodeado das
benditas palavras
bendito
mesmo
foi o
furo.

Réstia de luz
no meu
escuro.

II
A palavra
maldita
é feito um
murro.

Desmoronou
meu muro.
Olhei desconfiado
pro entulho:

"Restar só
restou mesmo
o bendito
furo."

III
Quando a maldita palavra é bem dita como um certo murro, ela faz um furo no muro do meu discurso. O hematoma que fica é uma réstia de escuro em toda a luz que aturo.

IV
Falo quase como
se soubesse:

Onde começa o muro.
Onde termina o furo.

Mal sei o que aturo
seja de luz ou de escuro.

Peço perdão
se lhe enganei,
mas por tudo que menti

eu juro.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Eu ou Ele?



Buscava incansavelmente em antigos escritos a forma de dizer algo de novo. Percebia, tão somente quando via a frustração agigantar-se perante os olhos próprios da ingênua vontade de reutilizar palavras passadas, que nenhum velho poema dizia sobre agora, nem deixava de dizê-lo. Pensava no que fazer, pesavam as pálpebras, mas que decisão tomar?

Descobrira recentemente que, no tempo indicativo, para ser um ou ser outro o pretérito poderia ser imperfeito ou mais-que-perfeito, tanto fazia. Soubesse ali que qualquer distinção entre primeiros e terceiros só no que pudesse se dizer perfeito, teria tentado dizer de outra forma, mais casual. (A confusão era real também no subjuntivo)

A conclusão é que se algo pode ser descoberto no antigo é que de novo estar confundido entre aqui e acolá não determina quem é o sujeito de qualquer frase: Eu ou Ele?

“Desista”, disse a palavra. Do que? Do que se desiste? “Até as conjugações perfeitas acabam não dizendo muito”, observou a palavra. Mas se são perfeitas, por que falham?

“Por que falam”, disse por fim.