Estava ali, o Rochedo. Sua firmeza tempestuosa era inabalável perante o Mar. O céu turvo marcava a batalha, em seu campo não havia descanso. Arwen estava lá, suntuosa e magnífica. Que mulher, que pecado. Não havia nada no mundo que não a quisesse, era simplesmente o puro olhar do desejo. Seu corpo branco se marcava contra a rocha cinza, enquanto ela suavemente olhava para o horizonte, cabelo revoando aos ventos. Entre as potências, entre o mar e a rocha, ela era a única vitória possível. Perto do seu rosto impetuoso, seu nariz fino e seus lábios macios, só encontrava-se as marcas do divino, como aquela de nascença no alto de sua perna direita, por trás.
Irresistível.
Contudo, ele era um rapaz acabrunhado, não sabia que direção seguir. Ele estava lá, ao seu lado, mas não sabia quem era ela, nem nada sobre seus poderes místicos de arrancar a vida de um homem e tornar-se toda ela. Seus cabelos negros confundiam-se com o vento e a pedra, nenhum deles tomava posse, e seu corpo (estaria ela nua ou não?) era a própria espuma do oceano, nas ondas incessantes que digladiavam com o rochedo impenetrável. Na sua inocência havia sabedoria, pois não conseguia fixar o olhar nela, e mesmo com suas calças dobradas no meio das canelas e sua blusa brevemente molhada, de mangas arregaçadas e colete enraivecido pelos ares, era ele quem estava nu. Ele queria saber onde a espuma a tocava, ou por que seus olhos claros eram tão parecidos com o barulho das manhãs.
Irresistível.
Era um garoto ainda, nunca havia sentido o calor de uma mulher antes, ainda mais de uma daquelas, esfíngicas e belas. Havia crescido no interior da cidade grande, com muito medo do mundo externo para ter coragem de olhar pra além do seu próprio umbigo, cicatriz eterna do seu medo. Uma mulher que mal ele conseguia pronunciar o nome era Estrangeiro demais para seu coração frágil, cria do escuro de muitas noites sozinho olhando em vão para o teto, em busca de estrelas que nunca o alcançariam. Seu peito arfava, um leão gritava dentro dele, mas ele não conseguia olhar para ela.
Irreversível.
Por que ela não se movia, por que ela não fazia sequer um movimento? A quem os olhasse, pensariam que ela mal sabia da existência do garoto, ou que ele era somente um fantasma diante de tanta vida. Pois era isso que era Arwen, viva. E ainda imóvel, ela pulsava mais que mil fábricas e sua presença tremia mais que a marcha de 100 legiões romanas partindo para o combate contra os bárbaros. O garoto morto ao seu lado não parava de se mexer. Suas mãos se estenderam e pegaram umas conchas partidas pela discussão do mar com as rochas. Voltou a imaginar a água do mar batendo nos pelos daquela mulher.
Irresistível.
Fechou os olhos e apertou as conchas contra sua mão, a dor e as feridas pareciam trazê-lo de volta, de lugar algum para lugar nenhum. Sentiu raiva, sentiu o ímpeto de jogar as conchas longe, queria matá-las. Mas talvez nunca mais as fosse ver novamente, como poderia perdê-las, suas mínimas posses num mundo tão raivoso? Colocou-as nos bolsos, mas agora algo havia acontecido a ele. Resolveu olhar para o outro lado e correr o risco de enfrentar o olhar da musa. Olhou-a. Ela não virou, parecia hipnotizada pelo horizonte, não importava.
Inacessível.
Ele olhou-a bem, seu corpo, suas pernas, seus seios gentis, seus cabelos pretos, sua rocha, sua espuma, suas manhãs. Sentiu raiva de tudo isso, amaldiçoou-os. De repente se viu em pé, gritando com a moça impassível, era ela a culpada de toda sua amargura! Nem os céus, nem os infernos, nem ele deveriam suportam tamanho despautério! Para ele, ela devia ser tragada pelo mar, onde somente os corais pudessem sofrer com sua presença. Mas ela continuava lá, deitada, nua, mitologicamente linda.
Impassível.
Não sentiu mais raiva. Ele a amava. Não podia fazer nada quanto a isso, era todo amor. Beijou seus pés, chorou com suas mãos nas dela, encostou-se em seus seios despidos e pediu perdão, um perdão eterno da criança que peca. Ela nada fez. Era isso. Não havia mais saída, o único caminho era a morte, se jogaria no mar e lá, no pó do oceano, ele se livraria dela. Mas sabia que estava enganado, ela era absoluta. Arwen era o infinito. Não sabia mais o que fazer, haveria alguma saída para seu sofrimento?
Impossível.
Desesperado, jogou-se novamente nas pedras, e de lá resolveu nascer de novo. "Olá", ele disse, "você está aí?". "Enfim", ela respondeu ao virar a cabeça e encará-lo, "Enfim estou".
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