segunda-feira, 9 de março de 2015
A tempestade do século
Não foi antes do finzinho da tarde que o céu tomou sua decisão: ia parar de enviar suas lágrimas para a Terra. Resolveu tentar algo diferente, que tal mandar umas frutinhas no lugar?
Dona Elzira logo viu que aquilo não era obra de deus. Já pegou sua bíblia e abriu nas páginas marcadas do apocalipse, pra se lembrar de como proceder. Estava tranquila, havia se preparado pra esse dia desde jovenzinha.
O jovem Lucas nem viu nada acontecer, por que estava com a janela do quarto fechada apagando o histórico do navegador. Ele não acreditou quando seu amigo mandou uma mensagem dizendo que havia uma forma de navegar na internet sem deixar rastros.
O pequeno Bernardo que achou divertido, sempre quis provar amoras, mas sua mãe tinha medo dos agrotóxicos e só lhe dava gelatina. Desceu correndo pra debaixo do seu prédio e logo foi pra calçada. Colocou a língua pra fora que nem as crianças de filme de natal, mas engraçado mesmo foi quando uma amorinha caiu no seu olho.
Bernardo desatou a rir e saiu correndo, sujando os pés do roxo mais gostoso que já vira.
Lucas desatou o cinto e tomou muito cuidado para não sujar nada.
Dona Elzira ficou decepcionada quando a chuva parou e não foi seguida por nenhuma das trombetas. Mas ela não era senhora de deixar passar os sinais e aquilo era um sinal do fim dos tempos, ah se era, sim, senhor.
Já o céu desatou um show de luzes daqueles e correu pra tirar um cochilo. Gostou de trocar suas lágrimas por frutinhas, mas ainda estava curioso com o que aconteceria se fizesse cair confete - mas essa fica pra outro dia.
domingo, 15 de fevereiro de 2015
Os passarinhos não fazem o mesmo barulho que eu reconhecia antes.
para A.
Onde outrora houvera a Carne
permanece a candura.
Arrancados os nacos,
o sangue aflora e risca
seco
a linha do outono
Do silêncio,
escuta-se a maré de seus olhos
contra as pálpebras fechadas
num doce sorriso oblíquo
nas doze dobras da tua pele sombra
palpitar das asas
dos pássaros de barriga amarela
O vento estica meus dedos.
é inevitável.
mergulho em tua pele,
salto em tua boca
dentes brancos-ponta-gelo
meu olhar desnuda
minha mão firme agarra teu corpo
as cortinas esvoaçam
e deixam o sol
penetrar a fundo na retina
queimando os pecados
evaporando as lágrimas
diante do Supremo
o fôlego arde no peito,
urra louco na saída
enquanto quebra as paredes
como folhas secas
sob nossos pés
descalços, contorcidos.
só então o sopro leva a Carne.
mas o tempo finca.
A candura
fica.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
Na dúvida
Lembro-me de um tempo onde as coisas, se não eram mais fáceis, eram ao menos mais tranquilas.
Nesse tempo, eu era mais ignorante das coisas que até hoje não sei.
Agora, se me vejo sem respostas, é por que em algum lugar eu encontrei as perguntas, nem sei se as certas ou as erradas...
Há uma dada magia em algumas dúvidas, outras são só formas de cutucar a ferida.
Mas talvez me engane em crer que nesse tempo perdido as coisas fossem de fato mais bonitas, um tempo onde eu me senti menos vazio.
Antes de crer num futuro fantástico, para saber qualquer coisa que me reserva o destino, é preciso descrer esse passado idílico.
Talvez a nostalgia de outrora, a sensação amarrada na garganta, nunca passe. É mais que comédia o nome que damos às memórias: passado.
De passado o passado tem pouco, que bela miragem criamos no fechado dos nossos olhos.
E agora?
Olhar pra trás dói e nem sempre consigo ver o que está pela frente.
Na dúvida, sigo caminhando. Passo a passo no gerúndio,
até que nossas sombras se encontrem e desapareçam sob a copa das árvores.
Nesse tempo, eu era mais ignorante das coisas que até hoje não sei.
Agora, se me vejo sem respostas, é por que em algum lugar eu encontrei as perguntas, nem sei se as certas ou as erradas...
Há uma dada magia em algumas dúvidas, outras são só formas de cutucar a ferida.
Mas talvez me engane em crer que nesse tempo perdido as coisas fossem de fato mais bonitas, um tempo onde eu me senti menos vazio.
Antes de crer num futuro fantástico, para saber qualquer coisa que me reserva o destino, é preciso descrer esse passado idílico.
Talvez a nostalgia de outrora, a sensação amarrada na garganta, nunca passe. É mais que comédia o nome que damos às memórias: passado.
De passado o passado tem pouco, que bela miragem criamos no fechado dos nossos olhos.
E agora?
Olhar pra trás dói e nem sempre consigo ver o que está pela frente.
Na dúvida, sigo caminhando. Passo a passo no gerúndio,
até que nossas sombras se encontrem e desapareçam sob a copa das árvores.
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