domingo, 15 de fevereiro de 2015

Os passarinhos não fazem o mesmo barulho que eu reconhecia antes.


para A.

Onde outrora houvera a Carne
permanece a candura.
Arrancados os nacos,
o sangue aflora e risca
seco
a linha do outono

Do silêncio,
escuta-se a maré de seus olhos
contra as pálpebras fechadas
num doce sorriso oblíquo
nas doze dobras da tua pele sombra

palpitar das asas
dos pássaros de barriga amarela

O vento estica meus dedos.
é inevitável.
mergulho em tua pele,
salto em tua boca
dentes brancos-ponta-gelo

meu olhar desnuda
minha mão firme agarra teu corpo
as cortinas esvoaçam
e deixam o sol
penetrar a fundo na retina

queimando os pecados
evaporando as lágrimas
diante do Supremo
o fôlego arde no peito,
urra louco na saída
enquanto quebra as paredes
como folhas secas
sob nossos pés
descalços, contorcidos.

só então o sopro leva a Carne.
mas o tempo finca.
A candura

fica.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Na dúvida

Lembro-me de um tempo onde as coisas, se não eram mais fáceis, eram ao menos mais tranquilas.
Nesse tempo, eu era mais ignorante das coisas que até hoje não sei.
Agora, se me vejo sem respostas, é por que em algum lugar eu encontrei as perguntas, nem sei se as certas ou as erradas...
Há uma dada magia em algumas dúvidas, outras são só formas de cutucar a ferida.
Mas talvez me engane em crer que nesse tempo perdido as coisas fossem de fato mais bonitas, um tempo onde eu me senti menos vazio.
Antes de crer num futuro fantástico, para saber qualquer coisa que me reserva o destino, é preciso descrer esse passado idílico.
Talvez a nostalgia de outrora, a sensação amarrada na garganta, nunca passe. É mais que comédia o nome que damos às memórias: passado.
De passado o passado tem pouco, que bela miragem criamos no fechado dos nossos olhos.
E agora?
Olhar pra trás dói e nem sempre consigo ver o que está pela frente.
Na dúvida, sigo caminhando. Passo a passo no gerúndio,
até que nossas sombras se encontrem e desapareçam sob a copa das árvores.